Filipa Leal – “Leio os livros dos outros como uma detective”

Fotografia de Alfredo Cunha

Filipa Leal nasceu no Porto, Portugal, em 1979. Tem 13 livros publicados, é formada em Jornalismo pela Universidade de Westminter (Londres) e Mestre em Estudos Portugueses e Brasileiros pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Poeta, jornalista e argumentista (destaque para o guião do filme “Jogo de Damas”, com a realizadora Patrícia Sequeira), apresenta com Pedro Lamares o programa de literatura “Nada Será Como Dante”, na RTP2. Nuno Miguel Guedes esteve à conversa com a escritora a propósito da sua participação na edição deste ano de A Secreta Vida das Palavras.

  • Eis a pergunta clássica: que utilidade, se alguma, tem a poesia?

Ao poeta Manuel Bandeira, por exemplo, serviu-lhe para que fossem limpar o pátio das traseiras de sua casa, quando enviou, ao fim de muitas tentativas, uma “queixa em verso” e finalmente recebeu uma resposta (também em verso) imediata, seguida de limpeza imediata. Mais útil do que isto parece-me difícil. Mas eu ainda não experimentei.

  • Existem temas recorrentes na sua poesia? Quais? Porquê?

Talvez: a cidade, o medo, a perda, o amor… Sobretudo, costumo deixar pistas de livro para livro; como se eles pudessem conversar. Por exemplo: ao “Manual de Despedida para Mulheres Sensíveis” seguiu-se o “Manual de quê”; ao poema “Europa” seguiu-se “Europa, segunda carta”. Gostava de ter sido detective. Leio os livros dos outros como uma detective e estou sempre à espera desse leitor-detective que assim possa ler os meus livros.

  • A que outras vozes – leia-se outros poetas – recorrem mais?

Há 25 anos que trabalho também na divulgação da poesia, da literatura: desde o jornal O Primeiro de Janeiro, no Porto, para o qual entrevistei – muito jovem – tantos escritores que muito admirava, até aos recitais por todo o país (com destaque para as Quintas de Leitura, no Teatro do Campo Alegre) ou ao programa que apresento actualmente com o Pedro Lamares: Nada Será Como Dante, na RTP2. As vozes dos poetas estão sempre comigo: gostava de ter lido ao menos um poema de todos os poetas do mundo.

  • O que é isso de ser poeta? Algo misterioso e distante, apenas um ofício… O que é?

Contaram-me recentemente que Sebastião da Gama, que morreu aos 27 anos, apresentava-se sempre como poeta. Achei curioso e corajoso. Sinto que, por qualquer motivo, um romancista ou um ensaísta têm mais facilidade em “assumir-se” mais cedo: ao menos enquanto escritores. Se dizemos “sou poeta”, parece que nos levam a mal. Das duas, uma: ou somos uns grandes preguiçosos, ou estamos a armar-nos em bons.

  • A vossa participação na Secreta Vida das Palavras traz alguma mudança na forma como escrevem? De que forma?

Escrever para/sobre fotografia é um processo muito fascinante para mim. Tive algumas experiências anteriores e foi sempre uma surpresa o que esse diálogo me trouxe. O próprio processo de escrita muda. Porque não vem só de nós, da nossa cabeça, da nossa realidade ou da nossa visão da realidade: há uma imagem que propõe sairmos de nós, e voltarmos mais tarde. Saber que da fotografia e da poesia se chegará também à música é dar realmente boa vida às palavras, mesmo às mais caladas.

Fotografia de Alfredo Cunha

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