Maria Brás Ferreira é mestre em Estudos Portugueses, com a tese “Modos de Cindir para Continuar: uma leitura de A Noite e o Riso e Estação, de Nuno Bragança”. Encontra-se a tirar o doutoramento também em Estudos Portugueses, preparando uma tese sobre Agustina Bessa-Luís e Manoel de Oliveira, a partir do conceito de melancolia. Participou em antologias, tendo publicações, de poesia e ensaio, em revistas nacionais e internacionais. É editora da revista Lote. Publicou dois livros de poesia publicados, Hidrogénio (2020) e Rasura (2021). A propósito da sua participação n’ A Secreta Vida das Palavras deste ano, Nuno Miguel Guedes esteve à conversa com a poeta.
- Eis a pergunta clássica: que utilidade, se alguma, tem a poesia?
A poesia não serve nenhum objectivo utilitário. Aliás, a ideia de um objectivo parece não lhe assentar muito bem. Melhor seria falar numa meta, mas sob a abóbada de um movimento infindo, porventura circular, sempre nascente. Há, de resto, uma inquietação sobre o propósito da poesia que ao invés de servir um princípio reflexivo, de indagação, parece mais ir ao encontro da necessidade de a tudo atribuir um propósito e uma pragmática, à partida, determinadas. E isso diz deste tempo. Nada diz da poesia.
- Existem temas recorrentes na sua poesia? Quais? Porquê?
Listar temas será sempre um exercício, além de ingrato, inglório, mas se tivesse de referir três conceitos e imaginários aos quais vou sempre dar diria: os lugares, a memória e a poesia como um curto-circuito da linguagem. Um choque e um risco muito alto: alto no sentido de um risco muito arriscado, mas um risco superior, também.
- A que outras vozes – leia-se outros poetas – recorrem mais?
Inevitavelmente, porque não consigo dissociar a minha escrita da minha língua, leio com maior proximidade poetas portugueses. São muitos. Mas mais que muitos autores que me acompanham, são versos. Uns que decoro e levo comigo, outros que acabo por transformar. Um trabalho da memória que se prende muito concretamente com uma existência apaixonada, como aquela que fatalmente imprime no corpo do outro o seu desejo mais profundo. Tantas vezes irreconhecível. Nessa transparência devota encontro-me muito com Luiza, António Franco Alexandre, Nava, Camões, Pessanha…
- O que é isso de ser poeta? Algo misterioso e distante, apenas um ofício… O que é?
Um poeta é sempre um grande privilegiado, mas um que não faz concessões. Um cujo privilégio não decorre de concessões e favores.
- A sua participação na Secreta Vida das Palavras traz alguma mudança na forma como escreve? De que forma?
Escrever é sempre procurar novas aberturas. Se a partir de uma fotografia ou qualquer trabalho de outra pessoa é uma situação clara de confronto. O que sai pode nascer de um sentimento mais ou menos agradável, de maior ou menor sintonia com o outro objecto. Nesse sentido, a minha participação neste projecto acaba por ser mais um degrau nessa formação dinâmica de saber encontrar o que é diverso. E aí procurar alguma forma de respeito e reciprocidade. Se mudou a minha forma de escrever, não acredito. Acho, aliás, que só pode ter reforçado essa forma, seja ela qual for.